segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Questionamentos



- Mãe, por que minha mão é tão pequena?
- Porque ela foi feita para carregar coisas leves.
- E quando ela ficar grande? Eu posso dirigir um carro?
- Um carro e a sua vida.
- A vida é pesada?
- Mais pesada que nós duas.
- A senhora me ajuda. Você pega de um lado e eu pego do outro.

Confissões


Ao contrário das declarações, que exigem publicidade e atenção, as confissões valorizam ambientes mais reservados. Normalmente fazem seus ninhos em lugares escondidos, entre o pescoço e a orelha. É nesse altar, longe da presença dos curiosos, que elas encontram a segurança e a cumplicidade que todos nós sonhamos ao levantar da cama pela manhã.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Pelejas



Foto: Uliana Fechine

Ele nasceu em dia de ressaca. Não, eu não tinha bebido naquela noite. O mar é que tava raivoso, minha filha. Era lua cheia. Vento assobiando. Enquanto Dona Francisca descrevia a chegada do seu filho Jonas ao mundo eu rascunhava na cabeça algumas composições. Foi um fim de tarde de pelejas. Ele de lá, solitário, miúdo, jogando a rede pela milésima vez; esperando o cardume se abestalhar na rebentação; eu do lado de cá, testando velocidades, escolhendo ângulos, regulando a entrada de luz. Fazendo o que eu mais gosto. Cristalizando a vida sem espetacularização.

Desembestada


Foto: Carol Reis
 
Poderíamos ter ido tão mais longe. Seguir sem freio era o plano. Mas você amarelou, ficou pelo caminho, pulou da bicicleta para se preservar. Continuei desembestada, em frente, comendo poeira, sozinha na nossa loucura. E paguei um preço alto por isso. Hematomas, escoriações, inchaços. Lembra? Tudo sarou. Mas o que você fez para conviver com o peso da covardia? Correu para os braços de Vó Nena. A foto é apenas uma pequena homenagem à nossa louca escapada. Tirei durante uma viagem pra o interior. Sigamos. Você aí e eu aqui. Mas quando puder venha me ver. Sempre tem cerva gelada no freezer. Brincaremos de reconstruir a nossa juventude por meio de nossas próprias cicatrizes. Vai ser divertido. Uma bizarrice lúdica.  Te amo. Muito.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Sem alarde



Eu tô indo embora, Celo – disse isso depois de lavar a minha xícara. Eu sabia que dessa vez não era pra comprar frutas. Decidiu tirar o corpo fora. Deixar um vazio de 1,68m. Quem é capaz de conviver com uma ausência desse tamanho, Lucia? Segurei o seu braço e prometi mudar. Deixou a cópia da chave no claviculário e fechou a porta em silêncio. O óleo que eu comprei fez bem as dobradiças. Em nenhum momento olhou pra trás. A quitinete virou um latifúndio. 

Carpe Diem



Era acostumada a dormir na casa de conhecidos, mas uma coisa sempre a incomodava: abrir os olhos e não reconhecer de imediato o próprio teto. Uma amiga psicóloga disse que isso era um tipo de fobia. Nada grave (desde que não atrapalhasse o seu convívio social). Normalmente o processo de adaptação ao novo ambiente era rápido. Rápido também foi o pulo que ela deu da cama quando viu a hora no celular. Tinha que voltar pra casa e terminar um maldito freela. Não era a primeira vez que colocava o prazer antes do trabalho. Nem seria a última. Do banheiro chegou o grito:

- Você não sabe o quanto eu tava precisando disso!
-  Também adorei a noite, baby!
- Eu tô falando do seu chuveiro, bicho besta...
 
Enquanto o jato d'água despencava com força, feito sangria de açude, eles riam alto, despertando os vizinhos do 301 para mais um domingo preguiçoso.