quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Frente e verso

Eu não tive um sonho revelador, não ouvi vozes e nem tampouco presenciei um clarão no céu. O sinal veio diretamente das mãos dela, sem intermediário. Era uma carta (com frente e verso!). Pediu que eu abrisse só depois de sua saída. Obedeci. Esperei ela abrir a porta pra só então rasgar com cuidado o envelope. O perfume salpicado na folha foi uma estratégia bem elaborada. Mas o que estava em minhas mãos iria me tirar do prumo como um velho trem descarrilado. Comecei a ler em pé, encostado no balcão, mas depois de alguns segundos os joelhos dobraram com o peso dos parágrafos. Fui obrigado a sentar, caso contrário, nunca chegaria ao ponto final. Pedi uma dose de volúpia. Depois mais outra. Em seguida, uma terceira. O garçom não se conteve e puxou conversa:

- Dia difícil?

- Não, não

- Mas tanta sede, em tão pouco tempo, deve ter uma razão...

- É que eu acabei de descobrir o amor em letras graúdas. Sabe, meu velho, isso assusta. Principalmente para quem passou a vida inteira sozinho, à sombra dos outros, amaldiçoado pelo manto negro da invisibilidade.

5 comentários:

Isabela Santos disse...

Os joelhos se dobraram frente aos versos. "Os joelhos dobraram com o peso dos parágrafos."

Janaína Carvalho disse...

PQP!
Isso resume o quão eu gostei?

Andorinha disse...

Escreves tão puro e sincero. Sempre que acabo de ler um de seus textos fico com aquele gostinho de "Quero mais." É um perigo visitar o seu blog porque, quando visito, não paro de ler.

Ótimo texto, Marcelo.

Michele Rodrigues disse...

Uau!

Júlia Santiago disse...

Maravilha!