terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A hora do cansaço


Foto: Michele Rodrigues

Cada pessoa tem um jeito próprio de lidar com a gota d´água. Assim como o elefante mais velho da manada pressente o fim da linha, eu também procurei um lugar pra descansar logo depois da nossa última conversa. Já não consigo mais acompanhar o teu ritmo. Enquanto você se afastava tentei catar na memória a primeira topada que causou o descompasso. Tolice. O pingo que fez transbordar o nosso copo estava o tempo todo de braços abertos, pedindo socorro, e só a gente não viu.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Revelações


Sempre tive a curiosidade de saber onde acaba o infinito. Descobri a resposta um dia desses. Não, eu não fiz cálculos matemáticos complexos, consultei búzios, cartas, oráculos, profetas ou sábios. Foi um lance de sorte ou obra do acaso, sei lá. Enquanto a banda fazia os ajustes finais pra começar o show eu aproveitei para ir ao bar. No caminho esbarrei com uma garota que saía da fila. Aproveitei a deixa e disse o quanto ela era atraente. Sim, eu já tinha bebido três bohemias. Covardes precisam de estímulos. Ela sorriu e olhou pra o chão, tentando escapar daquela situação embaraçosa. Foi nesse exato momento que o infinito foi revelado. Ele estava lá, sensualmente encaixado entre os seios e a clavícula, tatuado na morena mais bonita da festa.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Segunda pele

O sol já estava alto quando ela decidiu abandonar o habitual excesso de sofisticação. Diante do espelho teve a certeza que naquele corpo já não cabia “ares de Europa”. Era hora de assumir, de uma vez por todas, a sua brasilidade. Hora de se deixar levar pela natureza do lugar que escolheu viver. E assim, um a um, os antigos acessórios caíram por terra. Deixou para trás amarras, sisudez e sobriedade. Permitiu-se. Daquela manhã em diante coxas, seios, ombros, curvas e sorrisos saíram do anonimato. Era hora de se exibir, de causar estragos, de ser desejada. Escolheu o pub da moda para estrear a sua segunda pele. Foi devorada na beira do palco, entre os pedais e a mesa de som. Sob a benção do Led Zeppelin e os olhares de uma pequena multidão de voyers excitados.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Sossega coração

Quando o ciúme entrou na minha vida eu já estava muito, muito velho. Não fiz escândalo, não esmurrei parede, não bati telefone, não mandei ninguém pra o inferno. Me tranquei no quarto e esperei o sono chegar. Ao tentar guardar os óculos derrubei acidentalmente o meu remédio do coração e a tampa do nebulizador. Logo cedo ouvi os cochichos pela casa: ele teve um acesso de fúria durante a madrugada. Ri sozinho na mesa e voltei a tomar o meu café da manhã. Tolos. Só eles ainda não perceberam que eu fiz as pazes com o tempo.