terça-feira, 28 de agosto de 2012

Do foda-se ao foda-me


Ela queria o pacote completo. Ele ainda não sabia o que queria. Mas, na dúvida, acabaram cedendo a uma química irrefreável. Química que começou logo cedo, na boca da noite, em um bistrô jeitoso de Petrópolis. Eu gosto muito de vinho, mas perco o controle facilmente. A revelação da garota foi uma deixa para o malando completar com rapidez e eficiência a segunda taça. O terceiro brinde potencializou o que já estava em chamas. Os frequentadores assistiram e ouviram com desconforto (mas com água na boca) a sinergia de línguas e os pequenos gemidos que vinham da parte mais reservada do ambiente. A madrugada terminou no apartamento dela. Na penumbra do quarto ele ainda tentou elaborar um discurso fajuto e capenga do não apego. Mas a intervenção dela chegou antes: ei, foda-se e foda-me! Acordaram pela manhã sem respostas conclusivas, mas com uma vontade danada de tomar café com torradas.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Batom vermelho


Compromisso ela tinha. Marcou de sambar na Ribeira com os amigos. Tava na merda. Precisava beber e chutar o rabo de meia dúzia de demônios. Beber não, se embriagar. Mas o desejo de rua não passou da porta do apartamento. Mesmo assim colocou batom vermelho, blusa branca, uma longa saia e gotas de lavanda entre os seios, no pescoço e atrás da orelha. Foi pra sala, aumentou o som, preparou a terceira dose de whisky e dançou como se uma “Pombagira Cigana” a conduzisse até o muro que separa a insanidade da temperança. Saiu do corpo e caiu em si. Pela manhã, já embaixo do chuveiro, ria sem parar (lembrando da performance e do desatino solitário da noite anterior). Os vizinhos nem imaginam, mas embaixo de toda aquela espuma o mundo ganhava alguém menos infeliz.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Da cor de leite

Toda pele alva merece uma mordida. Ela tinha essa tara. Eu não quero dizer com isso que o tesão pelas morenas era algo menor ou inexpressivo. Pelo contrário. O seu colchão presenciou mais de uma vez o balé sinuoso de curvas da cor de canela. Mas quando aquele corpo branco entrou no seu campo de visão o sossego acabou. Perdeu semanas tentando encontrar uma forma de transformar o esbarrão premeditado em chave de conquista. Conseguiu. No espaço apertado um pequeno ventilador oferecia o máximo de hospitalidade. O som alto abafou o primeiro gemido, mas não foi capaz de deter os seguintes. Nem poderia. Quem já teve caninos cravados no pescoço sabe a dor, o arrepio e a delícia de ser uma vítima do desejo.

domingo, 5 de agosto de 2012

Balanço de Mar


A morenice que ela tanto desejava só apareceu depois de alguns dias de sol. Mas antes disso a pele clara já incendiava olhares afoitos. Depois de tirar a última tainha da rede o pescador não resistiu: “Olha o jeito que aquela menina dança. Parece balanço de mar.” No começo eu achei que era enxerimento da parte dele, afinal, eu a vi dançar tantas vezes nos bailes da cidade. Nunca percebi a presença do mar nas suas curvas ou no seu rebolado. O velho tinha razão. O movimento das marés estava lá, no corpo dela, nas pequenas coisas, até mesmo na alça do vestido que desmoronou caprichosamente só pra ver os ombros jogarem uma espécie de capoeira cheia de malícia. Ela nem reparou quando eu cheguei mais perto, quando o meu olhar girou no sentido do seu vestido azul.