sábado, 19 de fevereiro de 2011

O segredo dos seus olhos


Foto: Rafaele Diniz

Construímos nossa relação com pausas e monossílabos. Enquanto ela mastigava o copo plástico, sentada no chão, minhas sinapses tentavam articular um tema ou discussão minimamente envolvente, capaz de produzir no receptor (ela) o desejo de resposta. Nunca consegui dois períodos completos. E assim dois anos se passaram. Especializei-me em ouvir com atenção o que ela não tinha a me dizer. Mas se a boca não explodia em palavras, seus olhos (um castanho estranho que se transformava em cor de mel ao sol) mais pareciam um mural com letras graúdas, boas de soletrar. Da última vez que nos encontramos aconteceu o improvável. Por cinco gloriosos minutos ela falou sem parar, com vontade, empolgação e naturalidade. Olhos e boca numa sinergia de arrepiar. Eu, visivelmente bobo e feliz, tentava esticar mais e mais e mais a conversa. Mas não demorou muito para que seus fieis escudeiros a resgatassem para trás da muralha. Tarde demais. Dessa vez foi o ogro de óculos e pernas compridas que desceu a ladeira sorrindo.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Nocaute


Foto: yowyo Julio
Vícios e impulsos. Duas coisas que ela nunca abriu mão. Aliás, a sua vida é um excesso (para o bem e para o mal). Quem a vê pelos bares, soprando a fumaça para o alto, bebendo, dançando e rindo com seus comparsas, não é capaz de imaginar que aquela mulher um dia perdeu o prumo e a governabilidade dos seus teoremas. Ela, que sempre carregou o estandarte do pragmatismo, da independência, da liberdade e do não apego, beijou a lona.
Depois de uma sequência brilhante de orgasmos sem compromisso, prazeres não agendados e acasos “deliciantes”, a morena, displicentemente (há quem diga que foi intencional), baixou a guarda por três segundos. Intervalo mais do que suficiente para um beijo de direita entrar esmagando boca, coração e discernimento. Caiu de quatro e assim ficou por muito tempo. Quando finalmente recobrou os sentidos percebeu que estava sozinha na sua confortável cama box. Implorou por uma revanche (que nunca veio).
Hoje sobrevive de lutas arranjadas, conquistas baratas e glórias inexpressivas. Seus olhos castanhos denunciam a frustração de subir constantemente ao ringue e não encontrar absolutamente nenhum oponente capaz de atingi-la de forma brutal e avassaladora. Porque, cá entre nós, o que ela precisa mesmo é de um novo nocaute. Para ficar de pé, para se sentir viva.