domingo, 31 de outubro de 2010

Na trave


Foto Deviantart

Aprendi a perder desde pequeno. A escassez de glórias e vitórias chegou a um ponto tão crítico que eu comecei a rir da minha própria cara. Enquanto os garotos do meu time choravam pelo vice-campeonato eu conversava com os meus botões: que desatino sem necessidade. Segundo lugar não é tão ruim assim. Hoje eu entendo o peso daquelas lágrimas. Hoje eu sei o quanto é triste viver no quase.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A dama do lotação


A morena de corpo esbelto atravessou o estreito corredor sem dá cabimento a nenhum malandro. Da roleta até o fim do ônibus ela foi devorada por metade dos passageiros. Eu faço parte dos canalhas. O motorista ainda tentou controlar o instinto, mas o chamado do retrovisor foi mais forte. E lá estava ele, olho grudado no reflexo das curvas e do rebolado. Ela sentou no penúltimo banco, abriu a apostila e começou a ler o texto como se estivesse no silêncio da biblioteca. Freios bruscos, buzinas, conversas paralelas, vendedor de chiclete, pedintes, nada disso abalava a concentração. Seguia impávida. Faltando pouco mais de 100 metros para o meu ponto lancei uma olhar kamikaze acima do seu ombro. Deparei-me com seios belíssimos que apontavam para um título pomposo: “A glicose e o metabolismo das hexoses”. Era o sinal que faltava para mudar toda uma vida de desleixo e covardia. Na manhã seguinte diminuí o açúcar e me converti ao glorioso poder do atrevimento.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Fora de moda


Foto Deviantart

Você se veste muito mal. A frase foi à queima roupa. Fulminante como um tiro de calibre 12. Sobrevivi, mas os estilhaços me forçaram a interpretar com mais clareza os sinais que vinham do espelho. Na manhã seguinte tirei a barba e cortei o cabelo. Escolhi a camisa menos pálida, troquei a velha bermuda por uma calça e limpei meu único tênis. Não sei ao aonde quero chegar com isso. Impressioná-la? Não carrego a falsa esperança de ficar atraente. O que eu tenho de mais valioso é um patrimônio imaterial de valores não estéticos. Mas parece que hoje em dia isso é um acessório completamente fora de moda.

sábado, 2 de outubro de 2010

Canção para viver mais


Já estava com o pé no primeiro degrau do ônibus, mas decidiu voltar. Tirou da sacola o LP preferido e disse (voz de quem acredita no futuro): para você ouvir quando a saudade for maior que a soma dos nossos interurbanos. A música nunca mais parou de tocar. E a vida dos vizinhos ganhou um novo ritmo.