domingo, 27 de setembro de 2009

Da cor do algodão


Resolveram dá uma pausa nas reflexões e devaneios. A garganta precisava de hidratação. Pediram uma bebida e brindaram por uma vida mais plena, com mais sorrisos, amizades sinceras e menos solidão. Goles longos para uma noite quente. Secaram as tulipas e ficaram mudos por 47 segundos. Até que uma onda sonora quebrou o silêncio em duas partes:

- Você acha que eu tenho algum charme?

- Acho. Você tem olhos gentis e um canino sedutor.

Ele riu da inusitada e inesperada resposta. Não tinha o costume de aceitar elogios, porque, segundo a sua frágil teoria, os adjetivos podem desestabilizar um homem. Mas ela sabia usar muito bem as palavras. Perdeu as contas das vezes que a devorou secretamente durante a noite alta. Tentando, em vão, decifrar nas entrelinhas as taras e temores que repousavam sobre a página branca. A mesma cor que dava ao seu corpo miúdo o ar de menina francesa, criada nos campos de algodão de um Seridó ancestral.


sábado, 19 de setembro de 2009

Kamikaze


- Vai, seu otário! Segura a mão dela e a conduz ao paraíso mais próximo.


O jeito doce da melhor amiga era o estímulo que faltava. Descolar da parede não foi fácil. Aliás, como alguém com pernas tão compridas demora tanto tempo para cruzar um percurso de aproximadamente cinco metros? Sem planos ou estratégias de vôo, o mais covarde dos kamikazes mergulhou para o seu momento de glória e ruína. Morreu às 2h35. Laudo da perícia: asfixia por beijos ininterruptos. Deixou como herança duas fichas de cerveja (Bohemia. Que fique bem claro!), um panfleto (sobre um festival de rock) e seis reais e quinze centavos. Alguns freqüentadores do bar riam da cena, caçoavam, se eles soubessem que levariam uma vida inteira procurando por algo assim...


Parte do texto foi inspirado no poema “Indivisíveis”, de Mário Quintana.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Encontros casuais em ambientes mal iluminados


Aos esbarrões. Era sempre assim que os dois se encontravam pela madrugada. Cumprimentos iniciais, abraços e sorrisos de até sempre. Um ritual gostoso, mas muito breve. Ela, ao lado das amigas inseparáveis; ele, na companhia dos comparsas de copo e boemia. Naquela noite ainda tentou um “fica mais um pouco”. Mas as circunstâncias não o deixaram pôr em prática o texto ensaiado. Passou o resto da semana refém do calendário. Cruzou os dedos e pediu ao santo que o abençoasse com um novo encontro casual. Não foi atendido. Era um homem de pouca fé. Resignou-se. Voltou para os becos e calçadas mal iluminadas da zona leste. Na pressa de ir ao banheiro bateu de frente com uma jovem que saía do balcão do bar. Primeiro cabeça com cabeça, depois boca com boca, sede com saliva, língua com orelha, dente com pescoço. Sim, era ela. Ainda lembram daquele texto ensaiado? Ficou tão antigo quanto o desejo de ir ao banheiro.