terça-feira, 31 de março de 2009

Mãos caprichosas

Enquanto o tomate padecia sob a lâmina afiada ele ouvia os conselhos e considerações da garota de avental. Sempre pertinentes, articulados, serenos. Poderia passar o domingo inteiro encostado na bancada. Assistindo a escolha dos temperos, a medida certa das porções, o domínio da nobre arte de produzir água na boca alheia. Havia muita doçura naquelas mãos caprichosas. Entre sorrisos, aromas e condimentos ela falou:

- A vida exige uma certa urgência, meu rapaz.

Logo em seguida a primeira lágrima caiu. Depois outra e outra e outra. Não era um choro de tristeza, piedade ou nostalgia. Apenas o reflexo de uma cebola recém-cortada tentando chamar a nossa atenção.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Limitações estéticas


- Ele é feio, mas é legal.

E assim começou a noite de sábado. Com uma carga extra de sinceridade não ofensiva. Por mais espontâneo que fosse o veredicto da estranha, aquelas palavras já não tinham mais tanto peso. Não para aquele rapaz, que aprendeu a rir da própria cara desde muito cedo. Voltou para casa de manhã, sozinho, como de costume. Adormeceu abraçado com a sua feiúra. Talvez com medo de que alguém tentasse roubá-la. Não o culpo por tanto zelo, cuidado e proteção. Afinal, era tudo o que ele tinha.