domingo, 5 de outubro de 2008

Burlando mandamentos

Aprendeu desde cedo que não se deve cobiçar a mulher do próximo. Principalmente se o próximo estiver a menos de cinco metros de distância. Mas naquela noite o ensino bíblico foi impiedosamente massacrado pelo tesão.

O sacrilégio não aconteceu sob as luzes de um restaurante, mas na penumbra do bairro mais boêmio da cidade. E naquele perímetro nenhuma tentação seria castigada. Por isso comeu aquela mulher com os olhos até ficar saciado.

Ela percebeu a tímida ousadia daquele homem franzino e esboçou um sorriso despretensioso. O jogo de olhares continuou, mas foi ele que decidiu dá um basta na brincadeira. Antes que a sua integridade física fosse atingida por um cruzado de direita.

Bebeu mais um gole de cerveja e foi até ao banheiro improvisado, que ficava nos fundos de uma oficina. Um verdadeiro cemitério de geladeiras, fogões e condicionadores de ar. Por coincidência (ou não) ela chegou minutos depois.

Enquanto a porta não abria um silêncio ensurdecedor tomou conta do ambiente. O pobre rapaz já estava a ponto de ter um infarto. Precisava desesperadamente de um assunto, de uma deixa, de uma desculpa para estabelecer o tão sonhado diálogo. Afinal, o que se pergunta na fila de um banheiro? Mas quando tudo já parecia perdido eis que o nosso anti-herói dispara uma frase, no mínimo, inusitada:

Você é muito massa!

Ninguém sabe ao certo de onde surgiu tanta coragem e falta de criatividade. De qualquer forma, a expressão foi mais do que o suficiente. Porque logo em seguida ela abriu um sorriso gostoso e arrastou o rapaz para o canto mais escuro da oficina.

Entre aquela montanha de sucata não se escondia apenas um casal de desconhecidos, mas dois famintos que se consumiam numa voracidade estonteante. Durante pouco mais de cinco minutos o décimo mandamento foi substituído por uma sincronia perfeita de línguas e gemidos. Beijou, mordeu e chupou aquela mulher até o alarme do bom senso disparar.

Então decidiram que era hora de se recompor. Uma a uma as peças voltaram ao seu lugar. Ela retornou aos braços do namorado. Ele se juntou aos amigos. Mas antes parou no balcão e pediu mais uma cerveja. Os homens do tempo estavam certos. Aquele calor era o prenúncio de um verão sufocante.